segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Por que o Natal fascina?

Não, não estou falando de luzes piscantes, de árvores, da profusão de vermelho que parece uma ressurreição da tintura têxtil flamenga quatrocentista, de lojas lotadas, nem nada disso. Falo do muitas vezes esquecido, mas igualmente majestoso, nascimento do Salvador do Mundo em Belém da Judéia. Bem o sabemos que não há ainda consenso entre os estudiosos sobre a data precisa do nascimento, desde que levantou-se a hipótese de erro de cálculos do monge Dionísio Esíguo, do século VI quando passou-se a datar os anos com base no nascimento de Jesus Cristo. Sabemos, contudo, que nasceu durante o período em que Otaviano César Augusto imperava sobre a orbe romana, no tempo em que Quirino governava a província da Síria sob as ordens de César, exercendo certa hegemonia sobre o reino da Judéia, cuja coroa a cingia Herodes, dito O Grande.
Depois de longas guerras civis, Roma vivia a Pax Romana. Sob o manto e a aparência da continuidade de funcionamento das antigas instituições republicanas, Otaviano César havia inaugurado um novo regime, o Principado, colocando-se acima das demais instituições e magistraturas na condição de Princeps, o primeiro dentre os cidadãos e o primeiro no Senado. Muitos viam na figura do César uma unidade capaz de garantir a unidade do mundo romano. É verdade que Otaviano conseguiu manter relativamente a paz durante seu império, mas essa paz provinda das armas e das legiões reorganizadas provou-se instável: o título de César passou a ser disputado com violência, da mesma forma que outrora disputava-se em fratricidas guerras civis o controle da magistratura consular ou a cadeira de Ditador.




Na Judeia, reinava Herodes que soube fazer o jogo político dos romanos para consolidar seu trono, de moldes bastante helenísticos. Apoiador do general Marco Antônio (rival de Otaviano, sobrinho do ditador Júlio César), Herodes não logrou trocar de lado por ocasião da derrota do aliado na Batalha do Ácio em 31 a.C., colocando sua diadema dourada aos pés do novo senhor de Roma, Otaviano. Herodes devia essa coroa ao poder romano, haja vista que fora com o apoio do Senado romano que fora proclamado rei da Judéia por Marco Antônio e Otaviano e com o auxílio das legiões romanas que esse general meio judeu e meio idumeu conseguiu tomar Jerusalém, destronando o último rei da dinastia judaica dos Asmoneus, controlado pelo rei dos Partos (dinastia reinante na Pérsia). Desta forma, Herodes carecia de legitimidade frente ao povo judeu, tanto devido à sua origem quanto à forma com que adquiriu seu poder. Ao passo que os precedentes reis asmoneus detinham junto ao poder régio o ofício de Sumo Sacerdotes do Templo de Jerusalém, Herodes reinava à maneira dos reis helenísticos, tal como os reis da dinastia selêucida, contra os quais os judeus haviam se rebelado um século antes devido à tentativa de imposição do culto greco pagão em detrimento do culto judaico. Herodes consolidou seu poder através da via militar, construindo grandes fortalezas em pontos estratégicos do reino, bem como organizando um exército inspirado dos moldes romanos e helenísticos, além do uso de mercenários de diversas regiões. Dessa forma entende-se o por quê Herodes temia tanto a vinda de outro rei: ele sabia bem que sua legitimidade era questionável. 
A verdade é que tanto Augusto quanto Herodes só detinham algum poder sobre a terra por desígnio da Divina Providência.
Quando já estava consolidado Otaviano como César e Roma e quando Herodes já reinava seus últimos anos na Judéia, nasceu em Belém o próprio Deus feito carne. Esquecido. Quase não foi notado. Nasceu em um estábulo de animais, sujeito ao frio, em meio ao odor dos excrementos de bovinos e eqüínos, ao mesmo tempo em que Augusto residia em sua suntuosa residência no monte Palatino e Herodes revezava-se entre seus luxuosos palácios de Jerusalém e Jericó. Contudo, esse Menino que nasce despojado é não somente o Senhor de toda a terra que o abriga e de todo o céu escuro que o encobre, mas tudo isso é igualmente obra Sua. O fascínio do Natal reside nesse fato: o frágil bebêzinho que dorme envolto em baixas timidamente protejendo-se do frio naquela improvisada cama de manjedoura onde se nutriam os animais é o próprio deus, cuja Glória cantam os anjos! Não nos comove o fato de vermos Deus, de quem nos sentimos tão distantes pela fragilidade e pequenez de nossa natureza decaída, bem como o peso de nossa inqüidade, tenha tomado a nossa natureza para nos salvar? Aqui Deus mostrou que a grandeza da Natureza humana, que criou para amá-Lo e estar sempre unido a Ele, não obstante tenha se perdido pelo pecado, foi restaurada de forma admirável quando o Filho de Deus se fez homem, assumindo a natureza humana desde o momento da concepção no ventre virginal de Maria. O Senhor nos deu uma lição de humildade com seu desapercebido nascimento.

Naquela noite derradeira, poucos tiveram conhecimento ou estiveram abertos para contemplarem a natividade do Salvador enquanto muitos tinha ciência de quem era Augusto e quem era Herodes. Mas muito mais do que as estátuas de César e as grandiosas obras arquitetônicas de Herodes, esse escondido episódio do estábulo de Belém multiplicou-se por séculos de Arte Sacra e os presépios ainda dominam em muitos lugares, muito embora muitas pessoas hoje em dia queiram proscrever os presépios por motivos muito menos nobres dos que foram provavelmente utilizados como desculpar para não darem hospedagem à Sagrada Família nos lares de Belém.
Felizes foram os pastores humildes que receberam a graça do anúncio do anjo e puderam contemplar a sublime visão do Deus Menino dormindo evolto em faixa, embalado pelo canto celeste dos coros angélicos! Felizes foram os magos que, mesmo distantes, souberam abrir-se à Verdade, reconhecendo e seguindo os sinais de Deus podendo também encontrar á Jesus e prestar-Lhe suas homenagens! Infeliz foi Otaviano, que faleceu sem saber que sob seu império começava a obra da Redenção! Infeliz foi Herodes que, mesmo sabendo da chegada do Salvador quis em sua soberba disputar o lugar com o próprio Deus!

Que tenhamos o exemplo dos pastores e dos magos e sabiamos nos abrir à Graça de Deus. Aproveitemos especialmente a Santa Missa para contemplarmos e nos unirmos a esse Jesus que se fez pequenino por nós em Belém. Quantos não suspirariam pela chance de estarem presentes naquela noite santa, diante daquela manjedoura?! Pois bem, vós estais diante do mesmo Jesus que se fez Menino, quando vos colocais diante da Eucaristia! Na Eucaristia está presente o mesmo Cristo, em Seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, que sentiu frio e chorou em Belém.
Pensemos também em renovarmos nossa defesa pela Dignidade Humana, dignidade essa que valeu a vinda do próprio Deus na carne. Que o Senhor, que nasceu rejeitado, nos ensine a sermos mais caridosos.
É verdade que continuam a haver maldades e injustiças no mundo, pois nem todos tiveram ainda a boa vontade de receber o Principe da Paz! Mas desde aquela noite em que Deus nasceu como um bebêzinho, o mundo nunca mais foi o mesmo. Que a beleza humilde e sublime desse acontecimento que essa noite celebramos nos inspire a sermos mais santos!

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